A transformação profunda do sistema financeiro português desde a última crise financeira

António Guerreiro, Presidente do Conselho Estratégico do Banco Finantia, comenta a transformação profunda do sistema financeiro português desde a última crise financeira em artigo publicado nos Cadernos de Economia, da Ordem dos Economistas.


O sistema financeiro português passou por uma transformação profunda desde a última crise financeira. A rentabilidade e a solvabilidade das instituições, que haviam caído drasticamente, já recuperaram para níveis de antes da crise.

Nos últimos dez anos, o crédito vivo, o número de agências e o número de trabalhadores do setor diminuíram cerca de 30% em média e a evolução tecnológica tem sido dramática.

O setor enfrenta atualmente desafios novos, alguns sem precedentes, tais como taxas de juro negativas, carga regulatória excessiva e concorrência de novos operadores, outsiders do sistema financeiro tradicional.

A União Bancária está longe de estar finalizada e o Mercado Único apresenta ainda sérias lacunas. Como consequência, não existe um apropriado level playing field e as instituições baseadas em países com ratings mais baixos (como Portugal), estão mais condicionadas.

A banca de retalho deverá continuar sujeita a fortes impulsos tecnológicos com impacto na estrutura de custos das instituições e na qualidade e rapidez dos serviços bancários oferecidos.

A banca de investimento continuará a sofrer de um baixo volume de transações, por força da diminuição do tecido empresarial nacional com dimensão e do apetite para as atividades de mercado de capitais. Do lado dos investidores nota-se uma significativa aversão ao risco e às baixas taxas de juro (nas aplicações em dívida).

As novas regras introduzidas pelo MIFID (Markets and Financial Instruments Directive), a instabilidade do quadro fiscal e a falta de incentivos fiscais não têm contribuído para o aumento da poupança interna.

A banca de desenvolvimento foi praticamente abandonada em Portugal com a privatização do BFE. Esforços posteriores visando a sua recriação têm-se mostrado insuficientes e, na realidade, a presença do Estado no financiamento da economia e dos seus próprios projetos tem estado dispersa por várias instituições e agências, incluindo a CGD.

Conviria juntar as instituições/iniciativas estatais neste domínio de forma a dar mais foco ao espaço de intervenção do Estado na economia, à semelhança do que acontece em muitos outros países como são os casos de Espanha (ICO) e do Brasil (BNDES).

O atual Governo já terá dado sinais no sentido da racionalização da sua intervenção institucional no financiamento da economia e do comércio externo.

A elevada concentração de esforços na canalização de fundos europeus específicos não deve ofuscar a necessidade de atender a outras realidades como a necessidade de financiamento a médio e longo prazo e a capitalização das empresas. Aguardemos!

Relativamente à regulação financeira, a mesma tem-se revelado crescente e imparável, tendência que deverá continuar no futuro próximo. Os agentes do setor têm reagido contra os excessos que acarretam aumento de custos e sem benefícios tangíveis para o crescimento económico.

A aversão ao risco tem-se generalizado como resultado das novas regras. A falta de proporcionalidade na sua aplicação tem inibido a capacidade de crescimento e concorrência das instituições de menor porte.

O crescimento e a rendibilidade da banca europeia são hoje baixos quando comparados com os Estados Unidos. Haverá que refletir sobre o efeito da regulação na competitividade da banca europeia antes de prosseguir com a avalanche regulatória a que o setor tem estado sujeito nos últimos anos. Pouca ou nenhuma referência é feita ao seu impacto no crescimento económico apesar da compreensível busca da estabilidade financeira duradoura.

Os reguladores têm sugerido a concentração bancária como solução para ultrapassar a baixa rentabilidade da banca europeia, mas até ao momento têm-se realizado poucas operações nesse sentido. Os operadores do setor têm dúvidas sobre as suas vantagens, sobretudo se forem cross-border.

O crescimento exponencial dos operadores financeiros fora do sistema bancário, muitas vezes com baixa ou nenhuma regulação, veio trazer ao sistema financeiro global novos desafios.

Qual o impacto de uma eventual crise de liquidez no sistema, já que aqueles operadores estão muito longe da regulação bancária (Acordos de Basileia) e não têm em geral acesso a janelas de liquidez, como é o caso dos bancos? Os hedge funds, por exemplo, controlam hoje em dia volumes de ativos financeiros acima dos maiores bancos globais, portanto com enorme poder económico e capacidade de intervenção na alocação dos recursos. E são pouco ou nada regulados!

De realçar a crescente importância do private equity no financiamento de muitas empresas em crescimento ou reestruturação, com especial relevância para todos os segmentos da nova economia, energias renováveis e infraestruturas. Embora as fontes de capital nacionais nesta área ainda não tenham adquirido a expressão desejável, por falta de incentivos e de apetite aos riscos envolvidos, a sua importância e crescimento deverão acentuar-se nos próximos anos.

O mercado de capitais em Portugal tem diminuído de importância, também ele afetado por legislação excessiva e pelo número cada vez menor de empresas presentes.

Este mercado necessita de mais formação e menos regulação. É difícil às PME interessarem-se pelo mercado de capitais dada a carga administrativa que acarreta.

Neste caso são necessários mecanismos institucionais alternativos que possam ir ao encontro das suas necessidades.

Numa simplificação conveniente para uma abordagem sintética pode dizer-se que o sistema financeiro está hoje dividido ao longo de dois grandes eixos: i) sistema de pagamentos e afins (volume e tecnologia) e aplicações financeiras e investimento (risco e serviço) por um lado; e ii) atividades altamente reguladas vs atividades pouco reguladas por outro.

Subjacente a todo o sistema vai evoluindo a tecnologia e a inteligência artificial, por vezes de forma independente, outras vezes em colaboração com o sistema bancário.

A própria privacidade da clientela financeira poderá muitas vezes estar em causa.

Externalidades ao sistema financeiro também têm influências poderosas: demografia, guerras comerciais, instabilidades políticas e institucionais relevantes a nível global não deixam de trazer novos fatores de risco e incertezas para investidores e empresas.

Face a este cenário, precisamos de decisores políticos e económicos esclarecidos e consistentes para poderem dar a confiança necessária aos mercados e agentes económicos. É importante fomentar o investimento de médio e longo prazo que crie a riqueza necessária para sustentar o sistema social e até civilizacional a que nos habituámos: educação, saúde, pensões, etc. de qualidade e quantidade adequadas para todos. *

NOTA

(*) As opiniões expressas neste artigo são da responsabilidade do seu autor e em nada responsabilizam o Banco Finantia, S.A.

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